Ampliar a jornada escolar pressupõe explorar novos espaços de aprendizagem e integrar as disciplinas regulares ás atividades realizadas no contraturno. Na região metropolitana de Belo Horizonte, MG, uma escola municipal mostra como têm enfrentado esses desafios.
Quando
foi implantado o horário integral na escola Municipal Professora Ana Guedes
Vieira, em Contagem, MG, Muitos alunos e seus familiares pensavam que o
contraturno era apenas para brincadeiras. A professora Wanessa Menezes de Souza
conta que só depois de muitas conversas e da criação do blog, a comunidade
escolar passou a entender a proposta e a se orgulhar da educação oferecida a
crianças e jovens. “Nossos alunos adoram navegar na internet e se orgulham ao
ver no blog as fotos e os relatórios das atividades realizadas no contraturno.
Alguns avisam os colegas de outras escolas que estão na rede”, conta Wanessa.
O
horário integral na E.M. Professora Ana Guedes Vieira passou a ser oferecido em
2009, quando a escola aderiu ao programa Mais Educação, do Ministério da
Educação, que amplia a jornada escolar. Localizada num bairro considerado de
risco social, a escola atende 1.115 alunos do Ensino Fundamental. Cerca de 150
desses estudantes participaram do Programa E, com isso, têm um acréscimo diário
de três horas nas atividades escolares.
Além das disciplinas regulares do currículo, o horário integral inclui
almoço, higienização, recreação e a oferta de oficinas de acompanhamento Escolar
e letramento, hortas, teatros, jornal, rádio, aulas de flauta doce etc. As
oficinas são ministradas por seis oficineiros/ monitores. O trabalho é
coordenado pela professora Wanessa.
A implantação do horário integral envolve muitas mudanças na rotina da
escola, quebra a organização dos tempos escolares e pode causar um
estranhamento. Para Wanessa, esses são desafios que precisam ser enfrentados
para que a proposta avance. No início, alguns professores da E.M. Professora
Ana Guedes Vieira reclamou da movimentação causada com a presença de estudantes
no contra turno. Os oficineiros tiveram dificuldades para se adaptar ao espaço
disponível na escola para a realização das atividades propostas. Os pais e os
alunos chegaram a pensar que as oficinas eram apenas lúdicas, sem um objetivo
pedagógico definido. “Além disso, não conseguíamos promover a integração entre
o currículo e o programa”, admite a coordenadora.
Foram necessárias muitas intervenções, encontros e conversas para acertar
o passo. Já acostumados á nova rotina na escola, os alunos estão satisfeitos. A
aluna Vanessa Barbosa, 12 anos, diz que tomou gosto pelos estudos depois que
começou a participar das oficinas. “As aulas de flauta doce são as minhas
preferidas. Também gosto de plantar e colher na oficina de horta escolar. Um
dia levei almeirão para casa contei para minha mãe que eu mesma tinha plantado.
O almoço ficou mais gostoso”, conta.
Hoje, os trabalhos desenvolvidos
no horário integral dialogam com o currículo. Os professores informam á equipe
do Programa às dificuldades apresentadas pelos alunos na sala de aula, assim,
as oficinas podem ser direcionadas para atender a cada aluno. Marli Dorotéia da
Conceição, oficineira de teatro, explica que as datas comemorativas do
calendário escolar servem de temas para montagem de peças. “Há textos tão
bonitos produzidos nas aulas de português que são usados como roteiro para a
montagem de uma peça de teatro”, conta Marli.
O cuidado com o patrimônio da escola e o respeito nas relações pessoais
são temas comuns em todas as oficinas. A coordenadora Wanessa explica que as
brigas e a depredação das carteiras eram recorrentes na escola. “Por isso, esse
tema passou a ser trabalhado nas oficinas”. Na horta escolar, com o oficineiro
Onofre Ramos, os alunos aprenderam a importância do cuidado. Orgulhosos dos
canteiros repletos de verduras e legumes, eles gostam de mostrar a plantação
para os que visitam a escola. Onofre conta que Emater (Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural) envia periodicamente um agrônomo para dar consultoria
em assuntos relativos á horta. Com a assistência do engenheiro , ‘Seu’ Onofre conseguiu
implantar na escola um sistema de captação de água da chuva.
O sistema de irrigação da horta utiliza, além da água da chuva, garrafa
PET. A idéia partiu de Isaltina Fernandes, Auxiliar de almoxarifado na escola.
Leitora assídua de jornal, ela viu ema reportagem sobre o mecanismo de aspersão
com garrafas PET e propôs que o oficineiros fizesse o mesmo na escola.
A equipe do programa agenda um encontro por mês para planejar,
refletir avaliar o trabalho. A
coordenadora leva para esses encontros materiais para leitura de acordo com o tema
das diferentes oficinas. “Essas é uma forma de investir na formação dos
oficineiros que em sua maioria tem até o Ensino Médio”, conta Wanessa.
Os oficineiros são moradores da comunidade que têm experiência na
temática da oficina. Eles recebem ema bolsa de R$300,00 por mês para despesas
com alimentação e transporte. No ano passado, a E.M. Professora Ana Guedes
Vieira recebeu do governo federal uma verba de R$25 mil para cobrir os custos
do Programa, referentes á bolsa dos Oficineiros, materiais de consumo e de
apoio para as atividades.
Há um empenho na integração das turmas que participam do Programa com as
do horário regular. Um exemplo disso foi o que acontece nas aulas de história
da professora Conceição Santiago Sette. Ao estudar o movimento de luta pela
terra no país, ela levou seus alunos do horário regular para participarem da
oficina de horta.
MAIS EDUCAÇÃO
Criado em 2007, o programa Mais Educação integra as ações do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE). Trata-se de uma ação intersetorial que
envolve, além do MEC, o Ministério da Cultura, Esporte, Meio Ambiente,
Desenvolvimento Social e Combate á fome, Ciência e Tecnologia, Secretaria
Nacional da Juventude, entre outros setores do governo federal. As ações são
coordenadas pela Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC).
O Programa visa atender as escolas
situadas em região de vulnerabilidade social e que apresentam baixo Índice de
desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Inicialmente, o Programa atendeu
1.380 escolas localizadas nas capitais e regiões metropolitanas. Em 2010, cerca
de 10 mil escolas nas capitais, regiões metropolitanas e cidades com mais de
163 mil habitantes foram beneficiadas. Para saber mais sobre o Programa Mais
Educação, acesse o site goo.gl/neVRm
No Brasil, a concepção de educação integral não é recente. Mestre em
educação pela USP, Antonio Sérgio Gonçalves explica que os educadores Anísio
Teixeira e Darcy Ribeiro defendiam não apenas o acesso á educação, como também
o aumento progressivo do tempo escolar. Eles foram os idealizadores das
primeiras iniciativas de ampliação do horário escolar por meio de atividades
relacionadas aos esportes, á artes, á iniciação ao trabalho etc. Teixeira
fundou escolas-parque, em 1940, na Bahia. Darcy Ribeiro construiu os centros
integrados de educação pública (CIESP), em 1980, no Rio de Janeiro.
Ambas as experiências tiveram vida curta, mas contribuíram para a
construção de projetos político-pedagógicos que valorizam o diálogo com a
comunidade e para a elaboração de políticas públicas voltadas para a ampliação
da jornada escolar.
A ampliação do tempo escolar não leva, necessariamente, a um melhor
rendimento na aprendizagem do aluno. É preciso, antes de tudo, investir na
qualidade do ensino que é oferecido. Antonio Sérgio afirma que só haverá
benefícios em uma proposta de escola de tempo integral se houver como
sustentação uma concepção de educação integral. Para Ana Lucia Ferreira da
Silva, professora da faculdade de Educação na Universidade Estadual de
Londrina, a ampliação da jornada escolar só se justifica se forem oferecidas
aos alunos atividades significativas para a sua formação.
A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (Unirio), Ligia Martha Coimbra da Costa Coelho, acredita que,
com o tempo ampliado, o rendimento escolar pode aumentar, caso haja na escola
um trabalho integrado e compromissado. Ela chama a atenção para algumas
situações que considera em desacerto e que ainda são comuns em instituições de
ensino que decidem adotar o horário integral: uma delas seria a segmentação
turno/contraturno, ou seja, um turno para as disciplinas regulares e outro para
as atividades não regulares e outro para as atividades não regulares, como as
oficinas. “Isso causa problemas de ordem pedagógica no espaço escolar. O aluno
pode desenvolver uma resistência ao horário das aulas regulares em relação ao
horário das aulas mais lúdicas, prazerosas”, opina.
Na tentativa de evitar isso, Ligia Martha sugere que o currículo e os
horários das aulas sejam pensados de forma a mesclar as atividades, tanto as
consideradas regulares, quanto as não regulares. “È mais significativos para o
aluno ter uma atividade de matemática, por exemplo, seguida por uma de música
e, na sequência, uma de educação física. Ele vai perceber como as atividades
complementam sua formação”, propõe.
Outro aspecto que merece atenção nas escolas de tempo integral é a
qualificação/formação dos profissionais que trabalham com as atividades
paralelas ás disciplinas regulares. A professora Ana Lucia Ferreira da Silva
faz uma crítica ao fato de que qualquer pessoa bem intencionada e que apresenta
uma proposta de trabalho pode desenvolver uma ação na escola, independentemente
da sua formação. “Não sou favorável ao trabalho de voluntário na escola”, diz.
Para ela, os profissionais formados é que devem desenvolver as atividades não
regulares.
UMA NOVA DINÂMICA ESCOLAR
Educação
integral é uma concepção que leva em conta uma multiplicidade de conhecimento,
e não está necessariamente relacionada ao tempo de permanência na escola. A
educadora Ligia Martha explica que se trata de uma formação pautada por
diversos saberes, como os científicos, os estéticos, os ético-filosóficos,
entre vários outros.
A
educação integral requer de toda comunidade escolar uma nova dinâmica. È
preciso repensar o planejamento coletivo e incentivar a troca de saberes e
experiências entre os professores. “Também exige metodologias mais lúdicas,
participativas e inovadoras”, acrescenta Ligia
Ela
alerta que isso só se realiza se os profissionais encontrarem tempo para
refletir e discutirem sobre a prática pedagógica. “Professores que trabalham em
duas ou três escolas diferentes – para aumentar a renda mensal – dificilmente
terão condições para isso”, pontua.
Antonio Sérgio Gonçalves chama a atenção para
a necessidade de romper alguns paradigmas, como o que coloca as salas de aula
como locais privilegiados para as situações de aprendizagem. “Os espaços
externos da escola devem ser aproveitados porque oferecem oportunidades
estimulantes e prazerosas ao desenvolvimento de crianças e jovens”, sugere.
Sendo assim, a escola deve incorporar o
conceito de cidade educadora e, a partir daí, pensar num processo educativo que
relaciona os saberes escolares aos saberes que circulam nas praças, nos
parques, nos museus, nos teatros, nos cinemas, nos clubes etc. A cidade é um
território vivo que oferece múltiplas e ricas possibilidades para a educação
integral.
Fonte: Revista Presença Pedagógica -V.18. n.103-Jan/Fev. 2012 P: 57- 60.
Fonte: Revista Presença Pedagógica -V.18. n.103-Jan/Fev. 2012 P: 57- 60.