terça-feira, 17 de julho de 2012

MAIS TEMPO NA ESCOLA






Ampliar a jornada escolar pressupõe explorar novos espaços de aprendizagem e integrar as disciplinas regulares ás atividades realizadas no contraturno. Na região metropolitana de Belo Horizonte, MG, uma escola municipal mostra como têm enfrentado esses desafios.
Quando foi implantado o horário integral na escola Municipal Professora Ana Guedes Vieira, em Contagem, MG, Muitos alunos e seus familiares pensavam que o contraturno era apenas para brincadeiras. A professora Wanessa Menezes de Souza conta que só depois de muitas conversas e da criação do blog, a comunidade escolar passou a entender a proposta e a se orgulhar da educação oferecida a crianças e jovens. “Nossos alunos adoram navegar na internet e se orgulham ao ver no blog as fotos e os relatórios das atividades realizadas no contraturno. Alguns avisam os colegas de outras escolas que estão na rede”, conta Wanessa.
O horário integral na E.M. Professora Ana Guedes Vieira passou a ser oferecido em 2009, quando a escola aderiu ao programa Mais Educação, do Ministério da Educação, que amplia a jornada escolar. Localizada num bairro considerado de risco social, a escola atende 1.115 alunos do Ensino Fundamental. Cerca de 150 desses estudantes participaram do Programa E, com isso, têm um acréscimo diário de três horas nas atividades escolares.          
Além das disciplinas regulares do currículo, o horário integral inclui almoço, higienização, recreação e a oferta de oficinas de acompanhamento Escolar e letramento, hortas, teatros, jornal, rádio, aulas de flauta doce etc. As oficinas são ministradas por seis oficineiros/ monitores. O trabalho é coordenado pela professora Wanessa.
A implantação do horário integral envolve muitas mudanças na rotina da escola, quebra a organização dos tempos escolares e pode causar um estranhamento. Para Wanessa, esses são desafios que precisam ser enfrentados para que a proposta avance. No início, alguns professores da E.M. Professora Ana Guedes Vieira reclamou da movimentação causada com a presença de estudantes no contra turno. Os oficineiros tiveram dificuldades para se adaptar ao espaço disponível na escola para a realização das atividades propostas. Os pais e os alunos chegaram a pensar que as oficinas eram apenas lúdicas, sem um objetivo pedagógico definido. “Além disso, não conseguíamos promover a integração entre o currículo e o programa”, admite a coordenadora.
Foram necessárias muitas intervenções, encontros e conversas para acertar o passo. Já acostumados á nova rotina na escola, os alunos estão satisfeitos. A aluna Vanessa Barbosa, 12 anos, diz que tomou gosto pelos estudos depois que começou a participar das oficinas. “As aulas de flauta doce são as minhas preferidas. Também gosto de plantar e colher na oficina de horta escolar. Um dia levei almeirão para casa contei para minha mãe que eu mesma tinha plantado. O almoço ficou mais gostoso”, conta.
 Hoje, os trabalhos desenvolvidos no horário integral dialogam com o currículo. Os professores informam á equipe do Programa às dificuldades apresentadas pelos alunos na sala de aula, assim, as oficinas podem ser direcionadas para atender a cada aluno. Marli Dorotéia da Conceição, oficineira de teatro, explica que as datas comemorativas do calendário escolar servem de temas para montagem de peças. “Há textos tão bonitos produzidos nas aulas de português que são usados como roteiro para a montagem de uma peça de teatro”, conta Marli.
O cuidado com o patrimônio da escola e o respeito nas relações pessoais são temas comuns em todas as oficinas. A coordenadora Wanessa explica que as brigas e a depredação das carteiras eram recorrentes na escola. “Por isso, esse tema passou a ser trabalhado nas oficinas”. Na horta escolar, com o oficineiro Onofre Ramos, os alunos aprenderam a importância do cuidado. Orgulhosos dos canteiros repletos de verduras e legumes, eles gostam de mostrar a plantação para os que visitam a escola. Onofre conta que Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) envia periodicamente um agrônomo para dar consultoria em assuntos relativos á horta. Com a assistência  do engenheiro , ‘Seu’ Onofre conseguiu implantar na escola um sistema de captação de água da chuva.
O sistema de irrigação da horta utiliza, além da água da chuva, garrafa PET. A idéia partiu de Isaltina Fernandes, Auxiliar de almoxarifado na escola. Leitora assídua de jornal, ela viu ema reportagem sobre o mecanismo de aspersão com garrafas PET e propôs que o oficineiros fizesse o mesmo na escola.
A equipe do programa agenda um encontro por mês para planejar, refletir  avaliar o trabalho. A coordenadora leva para esses encontros materiais para leitura de acordo com o tema das diferentes oficinas. “Essas é uma forma de investir na formação dos oficineiros que em sua maioria tem até o Ensino Médio”, conta Wanessa.
Os oficineiros são moradores da comunidade que têm experiência na temática da oficina. Eles recebem ema bolsa de R$300,00 por mês para despesas com alimentação e transporte. No ano passado, a E.M. Professora Ana Guedes Vieira recebeu do governo federal uma verba de R$25 mil para cobrir os custos do Programa, referentes á bolsa dos Oficineiros, materiais de consumo e de apoio para as atividades.
Há um empenho na integração das turmas que participam do Programa com as do horário regular. Um exemplo disso foi o que acontece nas aulas de história da professora Conceição Santiago Sette. Ao estudar o movimento de luta pela terra no país, ela levou seus alunos do horário regular para participarem da oficina de horta.
             
MAIS EDUCAÇÃO

Criado em 2007, o programa Mais Educação integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Trata-se de uma ação intersetorial que envolve, além do MEC, o Ministério da Cultura, Esporte, Meio Ambiente, Desenvolvimento Social e Combate á fome, Ciência e Tecnologia, Secretaria Nacional da Juventude, entre outros setores do governo federal. As ações são coordenadas pela Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC).
 O Programa visa atender as escolas situadas em região de vulnerabilidade social e que apresentam baixo Índice de desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Inicialmente, o Programa atendeu 1.380 escolas localizadas nas capitais e regiões metropolitanas. Em 2010, cerca de 10 mil escolas nas capitais, regiões metropolitanas e cidades com mais de 163 mil habitantes foram beneficiadas. Para saber mais sobre o Programa Mais Educação, acesse o site goo.gl/neVRm
No Brasil, a concepção de educação integral não é recente. Mestre em educação pela USP, Antonio Sérgio Gonçalves explica que os educadores Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro defendiam não apenas o acesso á educação, como também o aumento progressivo do tempo escolar. Eles foram os idealizadores das primeiras iniciativas de ampliação do horário escolar por meio de atividades relacionadas aos esportes, á artes, á iniciação ao trabalho etc. Teixeira fundou escolas-parque, em 1940, na Bahia. Darcy Ribeiro construiu os centros integrados de educação pública (CIESP), em 1980, no Rio de Janeiro.
Ambas as experiências tiveram vida curta, mas contribuíram para a construção de projetos político-pedagógicos que valorizam o diálogo com a comunidade e para a elaboração de políticas públicas voltadas para a ampliação da jornada escolar.
                 
                
    TEMPO INTEGRAL

A ampliação do tempo escolar não leva, necessariamente, a um melhor rendimento na aprendizagem do aluno. É preciso, antes de tudo, investir na qualidade do ensino que é oferecido. Antonio Sérgio afirma que só haverá benefícios em uma proposta de escola de tempo integral se houver como sustentação uma concepção de educação integral. Para Ana Lucia Ferreira da Silva, professora da faculdade de Educação na Universidade Estadual de Londrina, a ampliação da jornada escolar só se justifica se forem oferecidas aos alunos atividades significativas para a sua formação.
A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Ligia Martha Coimbra da Costa Coelho, acredita que, com o tempo ampliado, o rendimento escolar pode aumentar, caso haja na escola um trabalho integrado e compromissado. Ela chama a atenção para algumas situações que considera em desacerto e que ainda são comuns em instituições de ensino que decidem adotar o horário integral: uma delas seria a segmentação turno/contraturno, ou seja, um turno para as disciplinas regulares e outro para as atividades não regulares e outro para as atividades não regulares, como as oficinas. “Isso causa problemas de ordem pedagógica no espaço escolar. O aluno pode desenvolver uma resistência ao horário das aulas regulares em relação ao horário das aulas mais lúdicas, prazerosas”, opina.
Na tentativa de evitar isso, Ligia Martha sugere que o currículo e os horários das aulas sejam pensados de forma a mesclar as atividades, tanto as consideradas regulares, quanto as não regulares. “È mais significativos para o aluno ter uma atividade de matemática, por exemplo, seguida por uma de música e, na sequência, uma de educação física. Ele vai perceber como as atividades complementam sua formação”, propõe.
Outro aspecto que merece atenção nas escolas de tempo integral é a qualificação/formação dos profissionais que trabalham com as atividades paralelas ás disciplinas regulares. A professora Ana Lucia Ferreira da Silva faz uma crítica ao fato de que qualquer pessoa bem intencionada e que apresenta uma proposta de trabalho pode desenvolver uma ação na escola, independentemente da sua formação. “Não sou favorável ao trabalho de voluntário na escola”, diz. Para ela, os profissionais formados é que devem desenvolver as atividades não regulares.

                         UMA NOVA DINÂMICA ESCOLAR

Educação integral é uma concepção que leva em conta uma multiplicidade de conhecimento, e não está necessariamente relacionada ao tempo de permanência na escola. A educadora Ligia Martha explica que se trata de uma formação pautada por diversos saberes, como os científicos, os estéticos, os ético-filosóficos, entre vários outros.
A educação integral requer de toda comunidade escolar uma nova dinâmica. È preciso repensar o planejamento coletivo e incentivar a troca de saberes e experiências entre os professores. “Também exige metodologias mais lúdicas, participativas e inovadoras”, acrescenta Ligia
Ela alerta que isso só se realiza se os profissionais encontrarem tempo para refletir e discutirem sobre a prática pedagógica. “Professores que trabalham em duas ou três escolas diferentes – para aumentar a renda mensal – dificilmente terão condições para isso”, pontua.
 Antonio Sérgio Gonçalves chama a atenção para a necessidade de romper alguns paradigmas, como o que coloca as salas de aula como locais privilegiados para as situações de aprendizagem. “Os espaços externos da escola devem ser aproveitados porque oferecem oportunidades estimulantes e prazerosas ao desenvolvimento de crianças e jovens”, sugere.
   Sendo assim, a escola deve incorporar o conceito de cidade educadora e, a partir daí, pensar num processo educativo que relaciona os saberes escolares aos saberes que circulam nas praças, nos parques, nos museus, nos teatros, nos cinemas, nos clubes etc. A cidade é um território vivo que oferece múltiplas e ricas possibilidades para a educação integral.


Fonte: Revista Presença Pedagógica -V.18. n.103-Jan/Fev. 2012  P: 57- 60.

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